LADY GAGA E O PROCESSO CRIATIVO
Numa entrevista à revista Rolling Stone, Lady Gaga diz que não faz análise porque não quer correr o risco de bloquear seu processo criativo.
Gosto dela - não tanto da música (sou meio pentelha nesse assunto), mas desse jeitão de dizer qualquer coisa sem medo e se comportar como se fosse uma celebridade milionária - coisa que ela é, mas funcionaria também se não fosse.
A Bia, linda travesti que mora aqui perto, age do mesmo jeito e também é fascinante.
Voltando ao assunto, uma vez o humorista Jaguar, meu mestre querido, disse coisa parecida.
Que tinha receio de não conseguir mais escrever e desenhar se viesse a “conhecer a si mesmo”.
Confesso que já senti o mesmo.
Ao longo da vida, sempre fiz alguma forma de terapia - análise, mesmo, só recentemente -, mas sempre sob o bafo desse medo.
Achava que o fluxo das ideias e dos sentimentos que produzem uma história, um desenho, passa necessariamente pela zona de sombra e dubiedade da nossa loucura particular - e que tentar acessar algum ponto de clareza pode desmobilizar esse ímpeto, interromper este fluxo.
Achava que a doideira precisa ser doida mesmo, pra que não se cubra do clichê das convicções gerais, das ideias prontas, do bom-senso óbvio e tedioso.
Hoje suspeito do contrário.
Ou melhor, suspeito que existam essas duas possibilidades, em momentos diferentes da vida - ou em pessoas diversas, como diversas são as pessoas nesse mundo.
Sinto que existe um cenário de dificuldade - o famoso bloqueio criativo - que é resultado justamente da falta de acesso às nossas áreas malditas.
Porque ali se encontram horrores, sim - mas também a razão que nos faz dar os passos que damos, escolher as palavras ou os traços que escolhemos.
Ali estão nossos medos e a nossa saída.
Margaret Atwood, eu seu livro “Negociando com os Mortos”, discorre sobre o movimento que fazem os escritores em busca de sua literatura, da força vital em sua literatura - e sobre a necessidade desse mergulho.
É essa a essência do primeiro romance da história, a epopéia de Gilgamesh - o mergulho, o retorno e o relato.
O autor Lourenço Mutarelli afirma ter ido ao inferno, voltado e marcado o caminho pra poder transitar quando precisa.
Lady Gaga pode não ter feito análise, mas, pela força da sua arte (eu sou meio pentelha mas sei reconhecer…), certamente achou sua própria trilha no mapa complexo das mentes e dos corações.
Laerte
Oi Laerte, tudo bom? Sempre adorei seu processo criativo, e dos cartunistas que conheço vejo em você um acesso às profundidades da carne humana que ninguém mais possui. Digo carne pois, estudante do filósofo Merleau-Ponty, tenho em mim que é pelo corpo que acessamos o sentido de nosso mundo. Sou psicólogo, estudante de psicanálise, e alguém que tenta escrever, e mantenho um processo criativo que sobrevive às duras penas. Nunca fiz análise, mas já fiz terapia. Concordo com você que a análise ajudar ou atrapalhar o processo criativo, mas em geral, o que percebo é que, para muitas pessoas, colocar-se no trabalho de pensar em si mesmo abre inúmeros sentidos antes ocultos, e que isso transforma nosso processo de criar. Geralmente, quando iniciamos o processo, nossos sonhos ficam mais detalhados,barrocos, com mil meandros a várias possibilidades de significados. E essa proliferação de sentido geralmente toma conta de nossa vida. Claro, isso se somos abertos desde já a essa vida oculta abaixo de nós mesmos.
ResponderEliminarQuero demonstrar aqui meu respeito e admiração por sua obra, que tanto me toca na carne.
Vitor